sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Nem ciência, nem religião. Parte I


Estamos cheios de perguntas que parece não ter resposta. Perguntas justas e honestas a respeito dos dinossauros e da evolução, buracos negros e física quântica, milagres e anjos, sonhos e sensações. Então existem os mistérios sobre Deus que confundem a nossa mente. Como um ser pode não ter um começo? Nenhuma criação, nenhum início – apenas estar sempre lá. Existem coisas que gostaríamos que fossem explicadas, e parece que Deus nos mantém no escuro.

Considerando que a dúvida é a luta com o que Deus nos revela para acreditarmos, o mistério é a luta com o que Ele nos mantém escondido. No que se refere a livros, filmes e peças de teatro, gostamos de mistérios, mas apenas porque eles são solucionados. Um conto de Agatha Christie ou de P.D James que nunca nos contasse quem cometeu o crime seria intolerável.

A ironia do desenvolvimento espiritual é que quanto mais você viaja na fé, menos convencido se torna de tudo que pode saber. Embora seja desconcertante, quando nos referimos a Deus, devemos esperar mistério. O grande profeta Isaías registra as seguintes palavras vindas do próprio Deus.

Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos, os meus caminhos... Porque, assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos, mais altos do que os vossos pensamentos.

Isaías 55.8,9

Deus é infinito, e nós somos finitos. Ele é eterno e tem todo poder e toda sabedoria; nós não. Se um exaustivo conhecimento de Deus fosse possível, então Deus deixaria de ser Deus, porque se a nossa mente pudesse penetrar em todos os mistérios de Deus, então Ele não seria maior que a nossa mente.

Um mistério não é o mesmo que um quebra-cabeças verbal, onde os conceitos essenciais são acessíveis, mas deve ser compreendido corretamente. Quando a Bíblia afirma, por exemplo, que devemos morrer para que possamos viver, a tensão aparente se desfaz com o conhecimento de que isso se refere não à morte física, mas à morte do espírito pecaminoso.

O mistério também é distinto do agnosticismo, em que às duas idéias contraditórias são dados pesos iguais na convicção de que a evidência conseqüentemente revelará que uma idéia é superior à outra.

De igual modo, o mistério se mantém desassociado do paradoxo, o que é simplesmente uma contradição aceita como verdade. ‘’Um quadrado redondo’’ seria um paradoxo. Um mistério está além da explicação racional. Ele não é propriamente autocontraditório; nós apenas carecemos da habilidade de penetrar no que um escritor espiritual anônimo do século XIV chamou de ‘’a nuvem do inconsciente’’ que o envolve.

Algumas das nossas perguntas por sua própria natureza não podem ser respondias por Deus. Como C.S Lewis uma vez propôs: ‘’Todas as perguntas sem sentido não têm resposta... Provavelmente, metade das perguntas que fazemos – metade das nossas grandes perguntas teológicas e metafísicas – são assim’’.

Outras perguntas devem permanecer sem resposta porque existem coisas que não estamos preparados para compreender. Teologicamente, de diversas formas ainda somos crianças, e precisamos da proteção que está de acordo com a infância.

Isso é difícil de aceitar, em especial quando freqüentemente parecemos desejar que a simples idéia de infância fique distante. Usamos palavras como infantil e imaturo como insultos. Embora a infância seja uma fase em que a pessoa está protegida de certas experiências e conhecimentos. Apenas quando as crianças crescem e passam para a fase adulta é que alguns ‘’segredos de adulto’’ são revelados de maneira que possam ser assimilados psicológica e espiritualmente.

As crianças devem ser inocentes. É para isso que existe infância. Todavia, preservar a infância para uma criança pode significar manter os segredos de adulto cobertos de mistério. Há respostas para todas as perguntas difíceis, porém devemos permanecer contentes em deixá-las sob os cuidados do Pai.

Deus é misterioso não só porque é Deus, mas porque nós somos crianças, e em seu amor a nossa infância e os mistérios de Deus como uma fonte de maravilhas e até mesmo de conforto; existe um Criador, e nós estamos entre aqueles que foram criados.

Quando aceitamos os mistérios de Deus como criancinhas, eles se tornam não tão frustrantes quanto atraentes.

Enquanto luto com o mistério que cerca Deus, lá no fundo quero que Ele seja mais do que eu sou, que saiba mais do que eu sei. Anseio que Deus esteja além do meu entendimento. Como Vicent Van Gogh disse acerca de sua rejeição do ‘’completo sistema de religião’’ da sua família: ‘’Isso não me impede de ter uma terrível necessidade de – eu devo dizer a palavra – religião. Então saio à noite para pintar as estrelas’’. Kathleen Erickson acredita que o seu quadro Noite Estrelada reflete ‘’desejo místico de se unir com o Deus infinito’’. Rudolf Otto, em seu clássico trabalho The Idea of the holy escreveu que o mysterium tremendum (a totalidade do mistério de Deus – literalmente, ‘’tremendo mistério’’) ‘’não é apenas algo para ser admirado, mas algo que enleva’’.

Nisso e através disso sentimos algo que nos cativa e nos transporta com um estranho arrebatamento ao ponto de uma intoxicação vertiginosa. A espiritualidade, em praticamente todas as formas, penetra no nosso desejo pelo misterioso, a nossa fome para aquilo que não é desse mundo. O mistério também influenciou o planejamento das grandes catedrais góticas na era medieval. Embora o mistério que envolve Deus com freqüência seja perturbador, também é atrativo: nós queremos tocar o que é de fato transcendente e experimentar o que é autenticamente sobrenatural.

2 comentários:

  1. Quando a alma humana, seja pelo impulso que se pode dar, seja espontaneamente, é elevada ao sentimento íntimo do ser universal que a tudo abrange, que tudo produz, enfim, ao sentimento do ser desconhecido que chamamos Deus, ela não procura mais que na descoberta dos axiomas parciais tomar consciência da verdade total que a subjuga, nem do intenso gozo que esta lhe proporciona; sente que esse grande ser ou esse grande axioma existe por si mesmo e que é impossívewl que não exista. Sente também em si, nesse contato divino, a realidade de sua própria vida pensante e imortal. Não tem mais necessidade de se questionar sobre Deus nem sobre si mesma; e, na sagrada e profunda afeição que sente, ela se diz com arrebatamento e segurança: Deus e o homem são seres verdadeiros que podem se conhecer na mesma luz e se amar no mesmo amor. Ecce Homo, Louis-Claude de Saint-Martin, 1743-1803.

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  2. Sempre que me deparo com uma imagem de Jesus transbordam de mim sentimentos de amor e temor. Não há relato dele ter feito mal a quem quer que seja, e sim o contrário, apenas perpetuou o amor, a fraternidade e a compaixão. Este semelhante é tão filho de Deus quanto eu, e se a única força que me difere dele é a fé por ele alcançada poque questiono tanto esta?

    Gostaria que vc estivesse mais perto.

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